domingo, 21 de fevereiro de 2010


VAI, VAI, VAI... VIVER
Martha Medeiros

Há inúmeras razões para se assistir ao documentário sobre Vinicius de Moraes: para recordar suas músicas, seus poemas, suas histórias e, principalmente, lembrar de uma época menos tensa, em que ainda havia espaço para a ingenuidade, a ternura e a poesia. Entre os vários depoimentos do filme, há um de Chico Buarque dizendo que não imagina como Vinicius se viraria hoje, nesta sociedade marcada pela ostentação e arrogância. E nós?, pergunto eu. Nós que nos emocionamos com o documentário
justamente por nos identificarmos com aquela alma leve, com a valorização das alegrias e tristezas cotidianas, como conseguimos sobreviver neste mundo estúpido, neste ninho de cobras, nesta violência invasiva? Assistir ao documentário é uma maneira de a gente localizar a si mesmo, trazer à tona nossa versão menos cínica, mais pura, e resgatar as coisas que prezamos de verdade, que são diferentes das coisas que a tevê nos empurra aos berros: compre! pague! queira! tenha!
Vinicius fazia outro tipo de propaganda. Se era para persuadir, que fosse em voz baixa e por uma causa nobre. Num dos melhores momentos do documentário, ele e Baden Powell cantam entre amigos, numa rodinha de violão: "Vai, vai, vai... amar/vai, vai, vai... chorar/vai, vai, vai... sofrer". E o "Canto de Ossanha" lembrando que a gente perde muito tempo se anunciando, dizendo que faz e acontece, quando na verdade tudo o que precisamos, ora, é viver.
Pois é. Mas, detalhe: não vive quem se economiza, quem quer felicidade parcelada em 24 vezes sem juros. Aliás, ser feliz nem está em pauta. O que está em pauta é a busca, a caça incessante ao que nos é essencial: ter paixões e ter amigos. O grande patrimônio de qualquer ser humano, quer ele perceba isso ou não.
Pra acumular esses bens, Vinicius seguia um ritual: zerava-se. Começava e terminava um casamento. Começava e terminava outro. Começava e terminava uma vida em Paris, uma temporada em Salvador. Renovava seus votos a cada dia. Se já não se sentia inteiro num amor ou num projeto, simples: ponto final. Tudo isso, diga-se, a um custo emocional altíssimo. O simples nunca foi fácil, muito menos para quem possui um coração no lugar onde tantos possuem uma pedra de gelo. As pedras de gelo de Vinicius estavam onde tinham que estar, no seu cachorro engarrafado, e só. O resto era tudo quente.
Entre sobreviver e viver há um precipício, e poucos encaram o salto. Encerro esta crônica com dois versos que não são de Vinicius, e sim de uma grande poeta chamada Vera Americano, que em seu novo livro, Arremesso livre, reverencia a mudança.
Não te acorrentes/ ao que não vai voltar, diz ela, provocando ao mesmo tempo nosso desejo e nosso medo. Medo que costuma nos paralisar diante da decisão crucial: Viver/ ou deixar para mais tarde.
O poeta espalmaria sua mão direita nas nossas costas (a outra estaria segurando o copo) e diria: Vai.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010


ALEGRIA! É CARNAVAL !
Carnival, Καρναβάλι, Karneval, Карнавал em qualquer idioma a folia reina absoluta, a alegria salta aos olhos e os braços se abrem para deixar essa contagiante emoção entrar !!

Ó abre alas, que eu quero passar
Eu sou da lira, não posso negar
Eu sou da lira, não posso negar...”

E você, o que vai fazer neste Carnaval? Vai “rasgar a fantasia” ou está entre os 57% que afirmam não gostar da folia? Confesso que, por mais carnavalesca que seja, é difícil não lembrar com um certo saudosismo dos bailes de outrora... A bebedeira, as drogas e a violência acabaram ofuscando a verdadeira beleza e o espírito de molecagem que havia no reinado de Momo.
Mas o Carnaval não é mesmo invenção brasileira, embora poucos o saibam hoje em dia! O que os brasileiros fizeram foi somente reinventá-lo, dar a ele a ginga que faltava. Carnaval sempre foi mesmo festa profana, das mais remotas de que se tem registro na História, com início na Grécia antiga, na forma de culto a Dionísio – também conhecido como Baco, o deus do vinho. “Brancas bacantes bêbadas o beijam...” E era na época da colheita das uvas que as bacantes, primeiras seguidoras desse deus, livravam-se da vigilância dos pais, maridos ou irmãos e saíam aos bandos, em meio a danças furiosas e gritos de júbilo. Essas coribantes foram logo seguidas pelos homens que se transfiguravam em silenos (sempre velhos e barbados) e sátiros, num frenesi dionisíaco, em que tudo era permitido... Na realidade, o Carnaval faz com que haja uma inversão de papéis na sociedade, servindo como uma espécie de “acerto de contas” do povo com seus governantes, ainda que esse acerto seja apenas metafórico ou psicológico. O pobre se veste de rico, de imperador, e sai na avenida; a rampeira vira donzela enquanto a madame se transfigura em odalisca... Cada um assume o lado obscuro de sua personalidade, normalmente reprimido e mascarado. Homens se divertem vestindo-se de mulheres e cada um revela, nos detalhes, a sua preferência: seios enormes ou quadris imensos; meias de seda e sapatos de salto, maquiagem excessiva, um exagero de falsas jóias – pelo jeito, as mulheres idealizadas por eles são verdadeiras “peruas”! E fazem sucesso!

Você pensa que cachaça é água / Cachaça não é água não /
Cachaça vem do alambique / E água vem do ribeirão...

“ Esta é uma letra que traduz muito bem o espírito carnavalesco de alguns, em todas as épocas: “Pode me faltar tudo na vida / Arroz feijão e pão /

Pode me faltar manteiga / E tudo mais não faz falta não /
Pode me faltar o amor / Há, há, há, há! /Isto até acho graça... /
Só não quero que me falte /A danada da cachaça!”
Carnaval sem bebida alcoólica, infelizmente, não existe... Também o que esperar, se tudo nasceu com o deus do vinho? E quando os portugueses trouxeram a folia para este país, era apenas uma brincadeira de rua, muitas vezes violenta, com todos os tipos de abusos e atrocidades.
Os escravos divertiam-se atirando uns nos outros coisas como ovos, farinha, cal, goma ou restos de comida. Os brancos, por sua vez, atiravam água suja em quem passava por perto... Nada muito civilizado, portanto. Depois, inventaram o limão de cheiro, uma esfera de cera cheia de água perfumada, que em 1885 foi substituído pelo tão famoso lança-perfume. Delicioso aquele spray geladinho nas costas! Infelizmente, prevaleceram os hábitos não muito saudáveis quanto ao uso do lança-perfume, levando-o à proibição no país. Tenho uma vaga lembrança das brincadeiras de rua na Treze de Maio, nos carnavais de antigamente. Na história do Carnaval, houve o entrudo, o corso e os blocos que saíam às ruas. Na década de 20, com a criação das escolas de samba – Deixa Falar, Vai como pode (Portela) e Mangueira foram as pioneiras - surgiu também o samba-enredo.

“Um pierrô apaixonado/ que vivia só cantando /
por causa de uma colombina / acabou chorando / acabou chorando...”

No entanto, os carnavais que deixaram as mais caras lembranças foram mesmo os das marchas-rancho, com um toque de romantismo no ar, alimentando os sonhos juvenis: as figuras do sentimental Pierrô, da sedutora Colombina e do farsante Arlequim simbolizavam os dias de folia. O que existia naqueles carnavais de tão diferente? Talvez o vôo da imaginação, permitido pelas máscaras, ou a emoção de poder tocar a pessoa desejada, ou até mesmo o anseio por iniciar um relacionamento... Talvez a esperança de encontrar uma verdadeira e grande paixão... Para muitos, existia ainda a juventude, a alegria própria das ilusões e de tudo aquilo que a efemeridade do tempo consome... Até mesmo pessoas queridas que hoje são enormes saudades...

“Ó jardineira, por que estás tão triste? / Mas o que foi que te aconteceu? /
Foi a camélia que caiu do galho / Deu dois suspiros e depois morreu..”
Mas novamente é carnaval, tempo de música e alegria, nada de lembranças tristes nem melancolia!

Vem jardineira, vem meu amor! / Não fiques triste que este mundo é todo teu /
e tu és muito mais bonita / que a camélia que morreu!”

E o que realmente temos é o hoje, do jeito que se nos apresenta. Precisamos aproveitá-lo da melhor maneira possível, mesmo que longe dos bailes e da folia. Mesmo com sonhos desfeitos e ausências doloridas. Amanhã o presente já será passado, apenas uma lembrança a mais no rol das reminiscências... Façamos, então, do “agora” mais uma agradável recordação, para nos consolar no futuro! E muita alegria, porque hoje é carnaval!

Seja em Paris ou nos Brasis / Mesmo distantes somos constantes /
Tudo nos une, que coisa rara / No amor nada nos separa!”
Vamos lá aproveita abre os braços e deixa a alegria entrar !!



( adaptado de Maria Olívia Garcia R.Arruda )